Renan cogita mudar projeto que amplia isenção do IR, mas alterações podem parar na Justiça
Fonte: O Globo
Representantes do setor produtivo e especialistas em tributação criticaram a
sinalização feita ontem pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL) de que pretende
alterar o projeto que amplia a faixa de isenção do Imposto de Renda (IR) e
estabelece a tributação sobre lucros e dividendos. Eles alertam para o risco de
judicialização e o impacto no caixa das empresas.
Renan é relator, no Senado, do projeto aprovado por unanimidade na Câmara dos
Deputados em outubro que isenta de IR quem ganha até R$ 5 mil mensais. A
proposta também cria uma alíquota mínima que pode chegar a 10% para quem
recebe a partir de R$ 1,2 milhão por ano.
O mesmo texto estabelece a retenção na fonte da alíquota no dividendo recebido
acima de R$ 50 mil em um mesmo mês.
Na Câmara, foi negociado que os dividendos gerados por lucros acumulados até
2025, antes da vigência da lei, poderiam ser distribuídos até 2028, sem pagar o novo
imposto, ficando isentos. A taxação começaria a valer para os lucros gerados a
partir do ano que vem quando a lei entra em vigor.
A retirada da taxação que constava do projeto original do governo foi parte das
negociações na Câmara que levaram à aprovação unânime.
Menos investimento
Renan pretende tirar essa cláusula que permite a distribuição isenta até 2028. Ele
avalia desmembrar a proposta, retirando trechos que considera controversos, o que
pode forçar uma nova votação na Câmara.
O presidente da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), Pablo
Cesário, disse que a proposta do relator afeta a economia como um todo e pode
afastar investidores. Ele explicou que as regras permitem ao empresário reservar
parte dos recursos para investir, enquanto cumpre a obrigação legal de distribuir
dividendo aos acionistas:
— Todas as companhias abertas têm que distribuir 25% do lucro, é obrigatório.
Mas pode usar dinheiro para investir. Se a gente tiver que pagar tudo de uma vez,
esses projetos terão de ser interrompidos.
Segundo ele, o setor empresarial vem trabalhando com os parâmetros do texto
aprovado pela Câmara e enviado ao Senado. Ele argumentou que a proposta do
relator busca tributar todo o passado, com objetivo de ajudar o governo a aumentar
a arrecadação:
— Do jeito que o senador diz, pega todo o passado, não tem limite. Sem dúvida
que o objetivo é arrecadar, não tem outra explicação.
O professor de Direito Tributário da USP e advogado tributário André Mendes
Moreira afirma que tributar lucro auferido antes da vigência da lei é “uma aplicação
retroativa da lei”, e pode provocar ações na Justiça:
— São dividendos que foram formados antes da vigência da lei.
O professor da USP também alerta que pode haver problemas econômicos se as
empresas tiverem que antecipar todo o montante dos dividendos até 31 de janeiro
de 2026, para fugir da taxação, o que provocaria uma espécie de corrida:
—Lucro contábil não significa dinheiro em conta. Empresas vão ter de recorrer a
empréstimo ou ficar descapitalizadas.
Ele diz que pode haver inclusive reflexos na cotação do dólar. Empresas
multinacionais podem correr para remeter lucros e dividendos para o exterior até
o fim do ano, para não pagar o novo imposto:
— Nesse caso, não vale somente para pessoa física, vale também para pessoa
jurídica. O dólar pode subir.
Outra questão que suscitou crítica é a inclusão de papéis como letras de crédito de
infraestrutura e agronegócio no cálculo para definir a taxação do contribuinte. Na
Câmara, essa renda ficou de fora da conta do rendimento. Renan teria a intenção
de incluir o rendimento desses papéis:
—Se você comprou um título isento, a expectativa é que se mantenha isento —
diz Moreira.
A Abrasca está atuando junto aos parlamentares no Senado para explicar os
impactos da medida e para demover o relator da ideia. O senador Efraim Filho
(PB-União), presidente da Comissão Mista de Orçamento, disse que a tributação
dos dividendos vai além da simples mudança no texto pelo Senado. É preciso abrir
diálogo com a Câmara para se chegar a um acordo e concluir a votação do projeto
do IR no Congresso, afirmou:
— Há dois problemas, de texto e de procedimentos, que precisam ser negociados
entre as duas Casas.